terça-feira, janeiro 18, 2011

Negócios soberanos




Recentemente, Sócrates e Teixeira dos Santos, ambos ufanos, quase eufóricos – ainda não chegou o PEC que os obrigue a cortar em gestão de imagem e “spin doctors” –, revezaram-se em antena publicitando o “grande sucesso” do dia: a colocação de 1.250 Milhões de euros da divida soberana portuguesa – e, agora sim, vem a parte pior – negócio sujeito a uma taxa de juro de pouco menos de 7% ao ano (6,71% em rigor). A ambos os “caixeiros-viajantes” – governar por estes tempos tem sido pouco mais do que “correr atrás do prejuízo” – só lhes faltou chamar à operação “sucesso estrondoso”. Detonação, de facto, não faltou! Nem irá faltar num futuro próximo, já que aquela foi só uma ínfima parcela – menos de 0,5% – das largas dezenas de Milhões que terão de ser “vendidos” proximamente. A garantia do “sucesso” pomposamente anunciado passou por negociar com a China, em condições que vão muito para além da taxa de juro, mais de 90% do “bolo” leiloado, ficando por dizer, apesar do muito “tempo de antena” ocupado – a uns só compete anunciar a parte boa da notícia –, que com juros àquele nível o “sucesso” vai consumir parte significativa, se não o todo, do efeito obtido no OE por alguns dos sacrifícios impostos. É, como quem diz: “cortar no pão para entregar ao ladrão”. Critérios!
O “road show” português, entretanto, trocando o Extremo Oriente pelo Médio Oriente, aterrou recentemente no Qatar.
Vá lá saber-se porquê a minha memória, recuando umas décadas, recuperou outro “negócio soberano”, este sim, tendencialmente de sucesso, mas que, entre outras, por questões de respeito pela soberania (a dos Açores), não se efectuou. Tratava-se da “troca de água por petróleo”: uma das hipóteses discutidas na segunda reunião da FLA em Paris para o financiamento da Independência dos Açores, processo apadrinhado por uma importante entidade financeira Árabe, que aplicava uma pequena parte dos Biliões de dólares então disponibilizados. Segundo o catecismo anti-independência que circulava, na época, Portugal era um país poderosíssimo, quase uma potência, quase auto-suficiente, e os Açores, coitadinhos – nunca interessou valorizar os seus recursos e potencialidades: a sua posição geoestratégica, o seu imenso e rico mar, a fertilidade do seu solo, etc., etc. –, tal como ainda hoje alguns os continuam considerando, apenas um sorvedouro dos tidos por infindáveis expedientes que Portugal encontra e usa. Para os “catequizados” – então também ufanos –, claro, a “troca de água por petróleo” era só uma hipérbole separatista – nem sabem como custa imenso ter razão antes do tempo!
Troca de água por petróleo é tema que também me ocorre sempre que avisto o minarete da Mesquita de Lisboa (isto, ainda relacionado com o que atrás escrevi: lembrando-me de mais alguns dos detalhes da proposta vinda do Golfo Pérsico), ou, quando por aqui se apela ao consumo dos produtos açorianos. É que, neste caso, muito mais do que outros produtos, tipo o leite, é da água que me lembro em primeiro lugar (em tempos, explorando um estabelecimento comercial, quando a já então única água engarrafada açoriana não estava no mercado, por me recusar a vender outra, oferecia água da torneira como forma de me manifestar). E lembro-me dela – cada vez mais cara e escassa – porque são muitos os milhões litros de água potável nos Açores que, todos os dias, correm para o mar, quando são também muito significativos os milhões de litros de água que têm de atravessar o atlântico para chegar às nossas mesas. Ignorar isso – e/ou permitir que se adquirem nascentes para proteger “o negócio” – é pactuar com o desperdício económico em causa, tanto maior quanto o é o elevado valor da “pegada ecológica” que lhe está associada (as embalagens, na melhor das hipóteses, têm que fazer a viagem de regresso). Eh, minudências minhas!

A.O. 18/01/2011; “Cá à minha moda" (revisto, acrescentado e com o título alterado)

terça-feira, janeiro 04, 2011

O “Marquês Jácome Correia”


O "Campo de Jogos Marquês de Jácome Correia" (Norte/Sul), em Janeiro de 1946, ainda antes de ser inaugurado.


Duas imagens do "Campo de Jogos Marquês de Jácome Correia" (Sul/Norte) , na tarde de 27 Janeiro de 1946, durante o jogo que se seguiu à cerimónia de inauguração.
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O “velhinho” Marquês Jácome Correia comemorará este mês – no próximo dia 27 – sessenta e cinco anos de existência.
Claro que não me refiro ao homem. Este, o Sr. Marquês de facto, de seu nome Aires Jácome Correia, falecera em Genebra – 21 Outubro de 1937 – cerca de um dezena de anos antes do dia em que, com o nome de “Campo de Jogos Marquês Jácome Correia”, abriu ao público o recinto desportivo que veio marcar uma nova era no futebol micaelense.
Na altura, em Ponta Delgada, viviam-se tempos difíceis, com quase todas as actividades – e o futebol particularmente – a sentirem ainda as consequências da II Grande Guerra, que entretanto terminara, mas não sem deixar fortes mazelas.
A prática do futebol oficial, que estivera interrompida desde Junho de 1942, recomeçara recentemente, em Abril de 1945, mas a cidade continuava carecida de um recinto condigno para jogar e ver os espetáculos de futebol já que ao “Campo Açores”, entretanto de novo disponibilizado, além das exíguas condições que sempre oferecera, passaram a acrescer outras dificuldades, nomeadamente, as muitas condicionantes ao seu uso devido à exploração das “Pedreiras da Doca” que entrementes voltara a ganhar actividade por via da construção da Avenida Marginal, que se anunciava para breve.
É oportuno recordar que haviam sido o avolumar das dificuldades colocadas durante o primeiro semestre de 1942 pela Junta Autónoma dos Portos no utilizar do “Campo Açores”, somadas ao fim do uso do “Campo do Liceu” - onde já com o Ginásio a ser construído se iniciara as obras das quais resultariam o seu novo “Campo de Jogos” - o que, conjugadas com as demais contrariedades da época, levara a tão longo jejum na prática oficial do futebol em São Miguel.

Mas, iniciado que estava aquele ano de 1946, a carência de instalações apropriadas para a prática do futebol estava prestes a terminar.
Assim, cuidadosamente preparada pela Associação de Futebol de Ponta Delgada, às 14:30 do dia 27 de Janeiro de 1946, em jogo que colocou frente a frente duas selecções locais, uma denominada “Selecção de São Miguel” e a outra “Selecção de Ponta Delgada” - ambas constituídas por atletas que representavam os cinco clubes a disputar o “Campeonato Distrital” daquela época - foi então inaugurado o Campo de Jogos “Marquês Jácome Correia”.

Para que conste, e conforme registava a convocatória resultante da reunião de Direcção da AFPD efectuada a 23 de Janeiro de 1946, os atletas participantes no acontecimento foram os que se seguem. Integrando a equipa denominada “Selecção de São Miguel”: Armando Goyanes (GR), Tomas Azevedo, Manuel Salsa, José de Sousa, Fernando Ferreira, Hélder Miranda, Artur Sousa (Garalha), Renato Pereira (Genina), Carlos Azevedo (Talefa), João Vicente (Ratana) e José Garcia. E na de “Ponta Delgada”: Manuel Cristiano da Costa (GR), Henrique de Medeiros, Alberto Ferreira, Fernando Branco (Fernando Madeira), Humberto Correia, Duarte Lopes, José de Sousa Teixeira, João de Deus, Reinaldo Simões, António Duarte e José Vicente. O lote dos suplentes, comum a ambas as equipas, foi o seguinte: Hugo Machado, Pedro Ventura, José Botelho, José Valentim, Fernando Simões de Almeida e Edmundo Batista.
Para o total deste grupo, entre “Selecção de São Miguel”, “Selecção de Ponta Delgada” e respectivos suplentes, o Clube Desportivo Santa Clara contribuiu com mais de onze jogadores. A saber:
Manuel Cristiano da Costa-GR, Henrique de Medeiros, Fernando Ferreira, José Botelho, Fernando Branco (Fernando Madeira), Artur Sousa (Artur Garalha), Renato Pereira (Genina), José Garcia, João Vicente (Ratana), José Valentim e José Vicente.
Quanto ao “Jácome Correia”, já há muito que se foram as “castiças” tascas – uma em cada canto, e cada qual afecta a um diferente clube – que o ornamentavam e completavam; Há muito tempo também que o “popular Albano” deixou de ser o seu principal zelador; Do pregão “quem quer morrer” com que o não menos popular “Caracol” anunciava gelados e outras guloseimas, já poucos se lembram; E nem mesmo a “barraquinha Esquimó” resistiu. Mas, sessenta e cinco anos depois, ampliado, renovado e adaptado às circunstâncias actuais, o “velhinho”, embora agora desconsiderando o Clube Desportivo Santa Clara que tanta vida lhe deu, continua desempenhando o importante papel que lhe foi destinado em Janeiro de 1946.
A.O. 04/01/2011; “Cá à minha moda" (revisto e acrescentado)